quarta-feira, 3 de janeiro de 2018

Milton Santos é um dos poucos geógrafos, senão o único, que estava a frente do seu tempo de vivência. Autor de diversas obras, o renomado educador é considerado como uma das grandes figuras brasileiras do século XX que se destacou pelos seus brilhantes trabalhos e pela enorme contribuição a ciência geográfica, sendo reconhecido por outros grandes cientistas como um dos maiores geógrafos de todos os tempos, sem demagogia.                                                                                                                      
Milton Santos incorporou uma nova identidade a geografia e abordou temas e conceitos jamais vistos pela comunidade acadêmica, inter-relacionando todas as categorias de análises geográfica e todas as esferas de existência do homem (social, econômica, cultural, política, natural etc.). Pensando o Espaço do Homem é só mais uma de suas grandiosas obras produzida ao longo século XX e que trata de questões tão presentes na sociedade moderna, ressignificando o saber geográfico a um novo patamar.                                                                                                        
Nessa obra o autor discorre sobre os fundamentos que gerem o espaço geográfico, buscando elucidar algumas categorias essências para ciência geográfica, inclusive muitas delas com forte teor filosófico, como por exemplo a totalidade, espaço-tempo; sujeito-objeto; homem-meio, etc. O autor deixa claro também as influencias tecidas pelas relações de produção na configuração do espaço do homem, tornando o espaço global do capital.
A obra de Milton Santos, embora pequena quantitativamente, é bem densa teoricamente e remete a olhares complexos e bem minuciosos sobre essa categoria primária da geografia (o espaço). Uma das grandes frases encabeçada nessa obra diz que “o espaço é uma acumulação desigual de tempos”, isso quer dizer que o espaço é indissociável do tempo e o tempo é indissociável do espaço.       Existem vários marcos perceptíveis que se acumulam no tempo e se materializam no espaço, tornando o passado algo distante, mas ao mesmo tempo essencial, pois esses momentos do passado que foram responsáveis pela cristalização dos objetos presentes, abrigando uma essência. Por isso a célebre frase “O momento passado está morto como tempo, não, porém como espaço”. O autor, tanto nessa obra como nas demais, sempre coloca em confronto opiniões de outros renomados autores, sejam geógrafos ou não. Sobre essa questão em relação ao espaço/presente e presente/espaço fica evidente, apesar de algumas discordâncias, que o presente é mais relevante que o passado, mesmo que o passado ainda esteja presente enquanto forma-objetos no espaço.                                         
Uma igreja construída há séculos numa capital, mas que ainda permanece intacta no espaço presente, se diferenciando em relação ao entorno devido sua forma/estrutura, apresentando ainda a mesma função de outrora é um exemplo nítido dessa discussão, na qual predita que o passado está morto como o tempo, porém jamais como espaço.
O espaço geográfico é fruto de todo um processo de produção e reprodução dos agentes sociais ao longo do tempo, materializando as formas espaciais. Por ser dinâmico é também marcado por transformações sucessivas. A medida que ocorre a evolução intelectual do ser humano, cada vez mais aumenta sua vontade de ir em busca de novas formas, métodos e técnicas de dominação do espaço.          
O período técnico científico aportado na obra mostra outro olhar acerca do espaço-tempo junto ao fenômeno da globalização. É durante o período Técnico-Científico que se origina e transcorre todo o processo de globalização, modificando e reprogramando a tríade estruturante do novo modelo global (ciência, tecnologia e informação). Essa tríade é que permite a concretização da mundialização dos lugares através das empresas transnacionais, instrumentos de concentração e acumulação. Juntamente com a mundialização do lugar, existe a alienação do espaço do homem, que se dá devido a especialização crescente dos processos produção, tornando o homem um ser estranho ao seu trabalho e a seu próprio espaço e lugar de vivência.                                                                  
                  Tudo isso ocorre pelo fato das exigências do mundo do capital, já que não se produz mais para as necessidades básicas e sim para a acumulação de mercadorias e bens, transformando o homem numa mera mercadoria, ou seja, um valor de troca no mercado. O espaço, de acordo com Milton Santos, é uma “mercadoria universal por excelência”, o que implica dizer que a natureza humana só é valorizada mediante sua força de trabalho e o próprio ser humano se vê subordinado/obrigado a adquirir os objetos que ele mesmo produziu, sob um valor comercial exploratório.
Esse sistema de desvalorização da força de trabalho humano ocasiona uma contradição peculiar, assentido pelo geógrafo brasileiro como “espaço que une e que separa”. Tal arquétipo valida e concretiza a apropriação do espaço global pelo capital, o que teoricamente permite que o capital seja de uso comum a toda a humanidade, mas sabemos que sua utilização é restrita a uma pequena parcela (aqueles que são donos/sócios das grandes empresas transnacionais).                                        
Portanto, a aplicação desse capital comum é seletiva. Milton Santos deixa claro que o incremento das forças produtivas e a consequente divisão do trabalho ocasiona cada vez mais as disparidades entre classes, aproximando e separando simultaneamente os homens. Como diz Doxiadis (1966) “Enquanto nossas cidades crescem, a distância entre os homens aumenta”, ou seja, a partir do momento que a cidade se torna um instrumento de trabalho perverso, unindo os homens para o processo produtivo, ela acentua a divisão entre classes e aumenta o distanciamento social.
O autor ainda faz uma reflexão sobre a aparência e essência dos objetos que compõem espaço geográfico. A aparência nada mais é uma compreensão/visão superficial, palpável dos objetos, sem inferir um valor, uma relação causal de existência das formas/signos materializadas no espaço, ou seja, sem uma função proeminente. Já a essência é todo um conjunto de objetos, signos e elementos que possuem um real sentido de existência, sentido este atrelado diretamente aos interesses do capital. Um exemplo notório seria a construção de rodovias, ferrovias, hidrovias que a princípio são pensados como objetos necessários para o deslocamento da sociedade, mas que são significados para uma função muito além da convencional (viabilizar a fluidez cada vez mais rápida das mercadorias e todo o capital produzido). A essência assume, portanto, uma particularidade singular e segregacionista, pois enfatiza o capital na apropriação dos bens coletivos, desconsiderando e/ou ignorando a valorização humana na construção e reconstrução do espaço.
Diante disso, Milton Santos nos convida a pensar o espaço do homem sob outra perspectiva, um espaço que una os homens para/por seu trabalho e que não o segregue em classes. Um espaço que não haja a perversa dicotomia entre exploradores e explorados. Enfim, um espaço que contemple o direito verossímil de participação do homem na sociedade, sem distinções e sem fetiches. Um espaço humano, solidário e coerente com as necessidades básicas de vivência do homem.                             
O autor Milton Santos nos faz refletir sobre o sistema internacional capitalista e o seu modelo, que na sua concepção ele entende que está passando por uma crise que será fatal ao sistema. Devido as mudanças de relação entre espaços nacionais e no interior de cada um deste espaços nacionais.
Dando diversas variáveis de mudanças mas sendo duas extremas:
1.     A exacerbação das necessidades de expansão da periferia, como consequência da redução das relações intercapitalistas;
2.      Uma redução global das relações intercapitalistas com atenuação do domínio sobre os países subdesenvolvidos.
Dessa forma a estrutura global passa a ser mudada, como também a organização do espaço.  Trazendo o pensamento para o período atual chegamos a um período popular de consumo importante, uma nova estrutura. Em que a produção não é mais autônoma, mas sim dependente ou subordinada ao consumo. Sendo definidas através de dados locais, eliminando o papel dos monopólios.
Contudo o autor em seu pensamento diz que o Estado seria socialmente mais rico, e mais capaz de distribuir riquezas em todo o território, obviamente uma utopia trazendo para o contexto capitalista atual, que mesmo vários países estarem adotando um sistema de desenvolvimento territorial as demandas são bastantes diferenciadas e nem sempre trazem resultados esperados.  Mesmo as massas se unindo para uma mudança social que traga equidade e equilíbrio, sem organização o Estado e seus aparelhos acabam por criar mecanismos que rompem as lutas das massas devido à falta de planejamento destas lutas.
Para eliminar o atraso e sair do subdesenvolvimento deve-se evitar paliativos a política deve ser pensada levando em conta uma economia a longo prazo, assim eliminando o desperdício da produção de recursos materiais e humanos.
Não basta porém, desejar a mudança de estrutura da produção e do consumo em si, pois a acumulação reinante e sua essência não permiti a redistribuição do excedente. Não sendo possível imaginar uma política contra a pobreza, política comum reorientada entre consumo e produção em favor de uma produção social em favor das disparidades.
Tudo indica e conspira para que a organização do espaço se cristalize cada vez mais, favorecendo o crescimento capitalista e a velha reprodução das relações econômicas, políticas e sociais. Disfarçam as linhas de ações com uma retorica de desenvolvimento social, mas que continua sendo coordenada por uma política de consumo que continua a agravar as relações de classes, a as relações de ordem no mundo como um todo.
Sendo assim continuará a reproduzir a estrutura que a muito tempo se deseja eliminar. E com um pensamento mais pessimista é encarar que mesmo é um período de transição a evolução da política econômica e da reprodução do espaço continuara, mesmo com uma nova roupagem, mas com o mesmo papel em que a planificação continuada é quase impossível e diante de Estados voltados para um modelo malthusiano, isso chega a ser praticamente nulo.
É possível pensar o espaço para homem adotando uma nova estrutura política, logicamente deixando de lado o exacerbado fanatismo político e passar a pensar em revolução teórica que promova o desenvolvimento social, deixando de lado os benefícios da totalidade de uma pequena parcela de detentores de capital.

Neste contexto é preciso uma revolução, mas com a sociedade voltada ao consumo é bem difícil adotar um novo modelo ou novas leis que visem o bem-estar social e diminuir as disparidades de classes.

REFERÊNCIA: 

SANTOS, Milton. Pensando o espaço do homem. 5ª Ed., 3. reimpr.- São Paulo: Edusp Editora da Universidade de São Paulo, 2012.

Um comentário:


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